
Beija Sapo
Antes de falarmos do famoso beijo do sapo, vamos falar de como os príncipes viram sapos. No conto, essa passagem é omitida de início, e só iremos conhecer o motivo perto do final:
“Contou-lhe ele, então, como havia sido encantado por uma bruxa má e que ninguém, senão ela, a princesinha, tinha o poder de desencantá-lo.”
Já conhecemos o personagem como um sapo falante. No filme A Princesa e o Sapo, existe um personagem chamado Dr. Facilier. Ele é o vilão do filme: um bruxo poderoso e ambicioso, que ludibria o príncipe Naveen a deixá-lo ver seu futuro a fim de conseguir transformá-lo em sapo, e promovendo criado que Naveen maltratava em seu sósia para assim poder roubar o dinheiro do pai de Charlotte.
Para o século XIX, o fato de uma mulher ser bruxa já era justificativa suficiente para ela fazer maldades. Bruxas eram consideradas hereges e estigmatizadas pela sociedade. Já no século XXI, as noções de bem e mal não são tão maniqueístas: o vilão precisava de uma motivação para ser mal. O que leva o Dr. Facilier a fazer o mal para Naveen é a ambição. Ele o transforma em sapo praticando magia negra em rituais que remetem a religiões africanas, o que é extremamente controverso, uma vez que religiões de matriz africanas são constantemente alvo de preconceito. Para ler mais sobre discussões da questão social no filme, clique aqui.
Como a abertura do conto nos diz que estamos em um tempo mágico, faz sentido dentro do conto que o sapo fale com a princesa. Ela se surpreende, mas não se assusta. Já Tiana é cética. Ela não acredita no pedido às estrelas, como Charlotte acredita, e toma um susto quando o príncipe Naveen, na forma de sapo, fala com ela.
E para surpresa de muitos que leram o conto quando crianças ou que nunca leram a versão dos irmãos Grimm, ao contrário de Tiana, a princesa do conto NÃO beija o sapo, ela o joga na parede!
“A princesinha, então, cheia de cólera, agarrou-o e, com toda a força, atirou-o de encontro à parede.
- Agora te calarás, sapo imundo, e me deixarás finalmente em paz!
Mas, oh! Que via? Ao estatelar-se no chão, o sapo imundo, que, por vontade do pai era seu amigo e companheiro, transformou-se, assumindo as formas de um belo príncipe de olhos meigos e carinhosos.”
Mas se a princesa dos Grimms não beija o sapo, por que o beijo no sapo é tão popular? Na história que Eudora, a mãe de Tiana, conta no início do filme, a princesa beija o sapo. E, além disso, temos livros infantis com versões de beijos transformando sapo em príncipe, ditados populares modernos que dizem que “É preciso beijar muitos sapos para achar um príncipe”, referências em outras mídias, como no filme Sherek 2, na qual descobre-se que o rei era um sapo, episódios de Os Simpsons, e até um programa da MTV do início dos anos 2000 se chamava beija sapo!
Tiana, sim, beija o sapo:
Não se trata de um beijo de amor: ela está desiludida porque não vai ter dinheiro para abrir seu restaurante, e o príncipe sapo, achando que ela é uma princesa, a convence a beijá-lo prometendo que dará o dinheiro para ela realizar seu sonho.
Há similaridade, mas também oposição desse momento crucial nas duas histórias: apesar de uma escolha racional da personagem do filme, ela sente nojo de beijar o sapo, assim como a princesa do conto sente ao ter de dividir sua mesa e cama com o anfíbio. A racionalidade da princesa da Disney não existe nos contos de Grimm. A transformação do príncipe em sapo se dá pela explosão da emoção da princesa, no caso, de sua raiva. Já no caso de Tiana, a raiva dos donos do imóvel que ela alugaria é suprimida, bem como seu ceticismo e seu nojo do sapo. Assim, o beijo que ela dá nele vem da repressão de emoções em prol de alcançar seus objetivos. Porém, como não é uma princesa, em vez de de salvar o príncipe, ela acaba se tornando um anfíbio também.
Quando a princesa joga o sapo na parede, temos o clímax do conto. O conflito é resolvido, o sapo vira um príncipe e o conto se encaminha para um desfecho feliz. Já no filme, o beijo que Tiana dá no sapo marca o ínicio da aventura que transforma a protagonista em sapo e, depois, em uma princesa.
