A primeira frase do conto “O príncipe Sapo” dos irmãos Grimm diz:

“Em muitos tempos remotos, quando ainda os desejos podiam ser realizados, houve um Rei cujas filhas eram muito bonitas.”

Sabemos, a partir dela, que a história contada não se passa no tempo presente: ela aconteceu em um passado diferente do da criança que a ouve. Aconteceu em uma época mágica, diferente daquela realidade. Assim como não é determinado o momento exato no qual se passa a história, seu local também é indefinido:

“Perto do castelo do Rei, havia uma floresta sombreada e, na floresta, uma frondosa tília, à sombra da qual existia uma fonte de águas cristalinas.”

Porém, sabemos que se situa em um reino, que emula os sistemas políticos vigentes naquele período da Europa. Sabemos também que há uma estrutura familiar, que fará parte da história: não se trata da história de qualquer menina, e, sim, da filha do rei, uma princesa. Todos os acontecimentos do conto acontecem no castelo e seus arredores. Não temos informações sobre o que acontece no mundo no qual vive a protagonista. Para dar conta da história contada, esse ambiente aristocrático é o suficiente.

Na primeira cena do filme “A Princesa e o Sapo”, conhecemos a protagonista Tiana ainda criança, ouvindo sua mãe contar a ela e sua amiga Charlotte uma versão do conto o Príncipe Sapo, cujo final difere da versão dos irmãos Grimm (para saber clique aqui). Nessa cena, vemos que Tiana, ao contrário da protagonista do conto, não é uma princesa, nem sequer pertence a elite. Ela é a filha da costureira, e sua amiga é filha de um rico da cidade. É na voz dele, ao se referir a ela como “a melhor costureira de Nova Orleans”, que primeiro localizamos o lugar da história. Elementos como o bonde, as roupas, objetos e a forte presença do jazz nos situam no tempo.

Pelas roupas das personagens, já temos indícios das diferenças sociais entre as personagens: Charlotte, branca, vestido de princesa, é rica; Tiana, negra, vestido simples, é pobre. Na cena em que Tiana e a mãe saem da casa de Charlotte e pegam o Bonde, vemos a paisagem ir mudando de palacetes a casas simples, indicando que a cidade tem desigualdades, e que é desse lugar mais simples que vem a protagonista. Isso já nos dá outra pista de uma grande necessidade de adaptação do conto para o filme. Para ficar interessante, a Disney opta por expandir o universo do conto. Em vez de um ambiente restrito, há a opção por múltiplos cenários: ambientes socialmente díspares da sociedade, o restaurante, o pântano, etc.

É interessante que a abertura do filme “A princesa e o sapo” inicia-se com os seguintes versos cantados:

“No céu a estrela vai brilhar. O seu pedido iluminar. A magia está no ar. E nada é impossível”

Essa primeira canção dialoga com a primeira frase do conto. Embora a Disney opte por localizar sua história em um local e tempo determinado, ela preserva a mágica dos contos de fada com uma abertura que nos diz que coisas impossíveis podem acontecer. Assim, a Nova Orleans dos anos 20, que conheceremos na animação, não tem pretensão de ser uma recriação histórica, e sim uma Nova Orleans mítica.