
A Família, a Comida
e a Música
No conto dos irmãos Grimm, conhecemos pouco da família da princesa. Sabemos que se trata da família de uma famílai real, e que há uma relação hierárquica dentro dela, na qual o pai, que é o rei, determina o que a princesa deve fazer.
“O Rei disse, então, à filha:
- Aquilo que prometeste deves cumprir. Vai, pois, abre a porta e deixa-o entrar.
A princesa não teve remédio senão obedecer. (...)”
O pai aparece tanto como uma figura de sabedoria, quanto uma figura de autoridade. É ele quem manda a princesa fazer o que é certo, cumprir o acordo pré-determinado, a promessa que a ela fez ao sapo. A princesa obedece a ele mesmo contra a sua vontade.
Na estrutura familiar criada pela Disney, percebe-se muito mais o amor que a autoridade. Vemos isso na forma carinhosa que a mãe trata a filha quando criança, na relação de Tiana com o pai ao fazer a sopa, na cena em que ela mostra o restaurante para a mãe, na lembrança que guarda do pai, entre outras.
O pai, embora continue aparecendo como uma figura de sabedoria, como em sua fala sobre a comida, não aparece como autoridade, mas como inspiração: é seu sonho de abrir um restaurante para a filha, projetado no panfleto no qual ele escreve o nome dela, que a inspira a continuar lutando a cada dia. Mais para frente na história do filme, depois do encontro com a feiticeira Mama Odie e da aventura para chegar até lá com Naveen, Tiana reavalia suas metas quando a feiticeira aponta que seu pai, apesar de ser um trabalhador muito esforçado, sempre viveu cercado do amor da família e de seus amigos, enquanto ela negligenciava todos os aspectos da sua vida que não envolvessem ganhar dinheiro para montar seu restaurante. Enquanto a princesa dos Grimm muda de atitude porque é obrigada pelo pai, Tiana muda internamente e reavalia seus objetivos por seguir o exemplo do pai.
É interessante observar que, no filme, o pai de Tiana fala: “Sabe o que a comida tem de bom? Ela reúne as pessoas de todas as classes sociais dá uma sensação boa aqui e põe felicidade no rosto delas." Embora nessa cena a comida mostre a coletividade da comunidade em que Tiana e a família vivem, não vemos isso se repetir no filme. A comida nele se torna o ganha-pão de Tiana: é com seu dom de cozinhar que ela sobrevive e busca o sonho de manter o restaurante; e é por cozinhar bem que ela é convidada pela amiga para o baile de máscaras do qual participarão as pessoas ricas (e, não por acaso, brancas da sociedade). Tiana está lá a serviço de servir a comida, no lugar de apreciá-la, o que a distingue como pertencente a classe trabalhadora naquele ambiente. A música da festa também faz essa distinção. Enquanto a música predominante no filme é o jazz, que aparece em diversos momentos em lugares tidos como populares no filme, na festa de gala o ritmo que embala a sociedade é outro: o tango.
Já no conto, entre as exigências que o sapo faz a princesinha, está comer do seu prato. Dividir a refeição em uma mesa real o eleva. Assim como no filme, a comida aqui é uma distinção social. Mas há mais um significado no conto: comer do mesmo pratinho significa partilhar da intimidade da princesa, o que a enoja.